quinta-feira, 25 de outubro de 2018


“Deixe que haja dor, deixe que haja sofrimento. Vá pela noite escura e alcançará um belo nascer-do-sol. É no ventre da escuridão nocturna que o Sol se desenvolve. É após a escuridão nocturna que a manhã vem.”


É preciso cuidado com a dor e com o sofrimento, foi o que aprendi com a vida. Haja bom senso, ou se formos demasiado afoitos nas belas teorias de quem não tem a mínima percepção das suas dívidas kármicas... Pois esses podem mergulhar facilmente na dor e no sofrimento, que ele rapidamente se desvanece. Mas para o comum dos seres humanos, procurar pela dor em vez de aguardar ser atingido por ela, pode significar meio caminho andado para a destruição. Para o fanatismo, para prisões difíceis de se libertar a tempo de não comprometer toda uma existência. Não vale a pena. Quanto a mim, digo e direi tantas vezes quantas forem necessárias, a dor e o sofrimento são duas realidades bastante perigosas e traiçoeiras. Quando menos nos descuidamos, capturam-nos para sempre, quando tudo o que pretendíamos era domesticá-las. Digo e direi tantas vezes quantas forem necessárias: a dor e o sofrimento podem ser evitadas em grande medida aplicando o controlo emocional propiciado pela meditação e o controlo da respiração. Aplicando a inteligência e a criatividade bem intencionadas. Não estou a falar de, para evitar o nosso próprio sofrimento, prejudicarmos alguém, roubarmos ou coisa do género. Falo de um processo moral e com princípios. Muitas vezes criamos o nosso próprio sofrimento por falta de capacidade de controlo emocional, por exemplo. É muito importante que a razão tenha uma palavra a dizer acerca da nossa conduta, sobretudo se estamos na senda do alargamento da consciência. Primeiro sempre, sempre, mas sempre, levar uma vida inteligente, não de fuga à dor, mas de inteligentemente a contornar de forma a que mal sintamos a sua proximidade. Uma conduta positiva, um coração cheio de amor, afasta a dor e o sofrimento por si só. Mas há momentos em que a dor e o sofrimento são inevitáveis. Devemos fazer de tudo o que estiver ao nosso alcance para evitarmos esses momentos (sem com isso evitar a sabedoria que acarretam), mas quando eles chegam, é preciso enfrentá-los. E pode ser verdadeiramente difícil e doloroso. Ahhh, e tal, o apego... Mas quem é que vive sem apego? Os monges budistas que vivem em templos, forma de vida que me parece ter todo o mérito, mas que dificilmente chegará à maioria dos seres humanos. Claro, que também há as pessoas que vivem com problemas mentais e que tomam drogas que as tornam apáticas e desapegadas (não é de todo o desapego dos monges, mas fora dos muros dos tempos, é capaz de ser do mais aproximado que se consegue). Também os há que tomam drogas mesmo sem ter problemas de saúde... E experimental o tal do desapego, pois sim, mas o preço costuma ser bem alto... Meditei horas a fio durante os últimos 20 anos. Sim, sinto um maior desapego. Aliás, sinto dois desapegos: um que deixa espaço para que eu consiga encarar a situação com distanciamento e amor; outro, que é o puro ignorar daquilo que me incomoda (o que também é uma arte a que temos direito!). Um é certamente mais positivo que o outro, mas o outro, apesar de tudo, acaba por ser um pouco mais fácil de aplicar enquanto o outro desapego, o bom, se desenvolve à velocidade com que se move um caracol... Por isso... Não brinquem com a dor nem com o sofrimento, seja o vosso próprio, seja o dos outros (muito menos o dos outros). Mergulhem no sofrimento quando nada mais há a fazer, mas não se esqueçam de tirar o curso de mergulho antes... Ou correm o risco de se afogar...

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